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NEUROCIÊNCIAS: Recompensa por Merecimento ou por Ilusão?

Ao longo de sua evolução, o cérebro desenvolveu um mecanismo chamado "sistema de recompensa" que é capaz de sinalizar que objetivos foram alcançados. Ele é disparado toda vez que algo tido como correto ou bom para o corpo e para manutenção da vida e da espécie é realizado (alimentação, sexo, etc.), assim como um objetivo almejado pelo indivíduo é alcançado. O disparo desse sistema de recompensa gera uma sensação de prazer, de satisfação e de dever cumprido. Ele é composto por diversas estruturas: Substância negra, Área tagmental ventral, Amígdala, Núcleo accumbens, Estriado, Córtex frontal - mas conhecer anatomicamente estas estruturas não é nosso objetivo por agora. Importante é saber que o cérebro vive numa eterna busca por atividades capazes de disparar esse mecanismo e gerar essas sensações e esta é a explicação tanto para a motivação e foco em certas atividades quanto para certos tipos de vícios.

Do ponto de vista químico, algumas substâncias quando ingeridas estimulam esta área do cérebro (localizada no sistema límbico), provocando todas essas sensações de prazer e satisfação, como se tudo na vida dessa pessoa estivesse bem e seus objetivos tivessem sido alcançados. É uma realização "artificial" provocada por substâncias e não por atitudes. Tão logo tais substâncias deixam de fazer efeito, toda essa euforia e sensação de realização pessoal desaparece quase que instantaneamente. Porém, o cérebro "aprende" que para alcançar seu objetivo e ficar bem novamente, basta repetir aquela ação, ou seja, usar aquela mesma substância. Isso faz com que o cérebro busque mais e mais a mesma substância, pois ela passa a ser um jeito fácil e rápido de alcançar seu objetivo de disparar o sistema de recompensa. Pronto, o vício está criado!

Outra coisa que devemos ter em mente é que esse sistema de recompensa precisa ser "calibrado", afinal, como saber se uma ação correta foi realizada? Como ele sabe quando um objetivo de vida foi alcançado? Para isso outras áreas do cérebro (como o córtex pré-frontal, por exemplo) comparam ações realizadas ou em andamento com experiências anteriores de vida, podendo então concluir que o indivíduo concluiu a atividade com sucesso ou está no caminho certo, disparando então o sistema de recompensa, gerando alegria e satisfação. Ocorre que o cérebro tenta a todo instante otimizar seu trabalho, ou seja, quanto mais fácil conseguir ter a recompensa, melhor. Assim, a menos que o indivíduo consiga ter muito foco e um objetivo claro a ser alcançado, o cérebro pode se utilizar de subterfúgios para se livrar de atividades árduas em busca da recompensa, e assim as pessoas com personalidades mais "superficiais" e pouca determinação em seus objetivos podem ao invés de trabalhar pelos resultados adequados (pois isso dá trabalho, existem muitos obstáculos a serem vencidos...), enganam a si próprios, atribuindo a outros ou ao meio em que vivem defeitos, qualidades rebaixadas para que seu cérebro, enganado, entenda que suas atitudes mesmo que superficiais e simplórias se destaquem em meio a tantos defeitos alheios, gerando um estímulo ao sistema de recompensa. Como no caso dos vícios, isso pode fazer com que a pessoa se sinta realizada com as atitudes e ações de fato irrelevantes aos outros, porém seu cérebro acha que mediante todos os outros fracassados e errados, ela é "o máximo" e deve sentir-se orgulhosa por isso.

As experiências de vida de cada indivíduo determinam o que para ele é uma realização, um objetivo alcançado. Nesse sentido, desvios de caráter, criações inadequadas e outros fatores podem fazer com que o sistema de recompensa entre em atividade em situações incorretas, fazendo com que o indivíduo não corra atrás de seus reais objetivos e em casos mais extremos, se sintam realizados não ao trabalharem por algo mas ao impedir que outros trabalhem, ao criticarem em excesso, etc.

O elogio é considerado por neurocientistas uma arma, pois é uma forma direta de estímulo externo ao sistema de recompensa do indivíduo. Qualquer pessoa quando percebe que foi elogiada "de verdade", se sente satisfeita, feliz e realizada: Isso é natural do ser humano! Como toda arma, o elogio pode ajudar muito uma pessoa, estimulando e motivando para que prossiga em sua caminhada em busca da realização de seus objetivos ou gerar o efeito inverso, destruindo uma pessoa.

Nesse ponto, não posso deixar de citar o "mimo excessivo" com que pais criam seus filhos atualmente e a superficialidade das relações que vemos hoje em dia. Quanto à relação pais e filhos, percebo muitos pais que elogiam os filhos a todo instante e para todas as pessoas, como se essas crianças fossem um ser superior em relação aos demais, quando na verdade são crianças como qualquer outra, que podem ter uma ou outra habilidade maior, em contraponto a outras habilidades menores em relação a outros colegas. O problema não está no elogio em si, mas nos momentos em que ele é utilizado. Crianças que crescem convivendo com elogios para tudo que fazem, passam a ter cérebros que não precisam trabalhar muito em busca da recompensa, afinal, já são boas o suficiente e tudo que fazem está correto e de bom tamanho. Geralmente são crianças que não terão estímulo para cada vez se dedicarem mais nos estudos em busca do melhor. Serão jovens e adultos sem objetivos na vida, ou quando os tem, que não trabalham de fato por eles, mas "fingem que trabalham", pois para seus cérebros tudo que fazem, por menor que seja, é o máximo! Quanto às amizades muitas vezes "futeis" que vemos hoje, ocorre algo parecido. O cérebro buscando subterfúgios para com menos trabalho ter mais satisfação, se apega a elogios vindos de pessoas que apenas "por educação" ou por fazerem parte de um "grupo de amigos quase irmãos" o cobrem a todo instante de elogios, ou seja, recompensa fácil. Isso gera grupos de amigos onde uns elogiam outros a todo instante e assim os cérebros vão vivendo felizes e realizados, porém sem trabalhos e realização de metas de fato. São felizes e realizados naquele círculo de amigos, mas... e seus objetivos de vida pessoais? Foram alcançados?

Entendendo um pouco esses mecanismos, podemos concluir que ao invés de nos dispersarmos em estímulos fáceis que geram uma satisfação momentânea mas nenhuma ação efetiva, devemos traçar metas claras e lutar por elas, por mais que hajam pedras no caminho, manter o foco em seus ideais e trabalhar por eles gerará no fim além da satisfação do dever cumprido e a felicidade pelo objetivo alcançado, ações, trabalho, e a produção de algo realmente útil ao indivíduo ou comunidade onde vive!

 

Adriano Freitas é formado em Sistemas de Informação com
duas pós graduações em áreas ligadas às Neurociências,
programa de estudo completo em Harvard e é servidor efetivo da
Universidade Federal Fluminense

 

  

 

Universidade Federal Fluminense
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Campus Nova Friburgo

 

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